30 janeiro 2020

Que absurdo!!! PM que declarou ser contra Bolsonaro foi aposentado aos 29 anos e pode ser expulso por dar opinião

Arquivo pessoal via A Pública
Foto: Arquivo pessoal via A Pública
“Aconteceu tudo ao mesmo tempo, os textos saíram, no ano seguinte eu sou aposentado; no outro ano recebo um procedimento de exclusão”, diz Martel Alexandre del Colle, de 29 anos, policial militar do Paranáautor de textos críticos à PM e aos governos federal e paranaense.
À Agência Pública, Martel falou sobre o processo administrativo que pode expulsá-lo da corporação. Ele é acusado pelo Conselho de Disciplina da PM de “trazer a conhecimento público [em textos publicados no site Justificando] imputações graves contra a instituição Polícia Militar do Paraná bem como em desfavor de autoridades civis constituídas”. No último dia 21 de janeiro, ele foi notificado da investigação interna que resultou na acusação.
Aposentado desde o final do ano passado por causa de um quadro de depressão, Martel ganhou repercussão na internet em outubro de 2018, depois de ter publicado: “Ele não porque eu sou policial”, em que declarava voto contra o então candidato a presidente Jair Bolsonaro. Desde então, o Martel passou a publicar textos críticos e analíticos sobre a própria Polícia Militar e sobre políticas de segurança pública de Bolsonaro e de Ratinho Jr., governador paranaense.
Martel é também coordenador no Paraná do grupo Policiais Antifascismo, movimento formado por agentes de segurança pública que defende democracia nas polícias e pautas como desmilitarização e fim da guerra às drogas. Para ele, os códigos de ética da PM e o regulamento disciplinar do Exército, que são utilizados para punir policiais que criticam a corporação, vão contra direitos constitucionais como a liberdade de expressão.
Geralmente aplicado em casos graves, quando policiais cometem crimes e se considera que o agente não tem mais condição de permanecer na corporação, o processo contra a opinião de Martel pode fazer com que o policial seja expulso e deixe de receber sua aposentadoria. Procurada, a PM do Paraná não respondeu até a publicação.
Você está aposentado desde quando?
O meu procedimento de aposentadoria começou mais ou menos em abril de 2019. Fui chamado na junta médica da polícia e fiz uma consulta com o setor psiquiátrico – eu estava lidando com uma depressão e tinha ficado internado, inclusive. Soube que estava rolando um boato entre os policiais de que eu ia ser aposentado. Em setembro ou outubro, um policial veio até a minha casa para que eu assinasse o documento da aposentadoria.
Não foi algo que partiu de você?
Não, eu não tive escolha. De fato, estava fazendo tratamento psicológico. Eu lido com a depressão já faz um tempo, no começo do ano [2019] eu tinha ficado internado uns 30 dias. Mas, eu não sabia, levou meses pra que eu conseguisse diluir a notícia. Ter 29 anos e ser aposentado não é uma coisa que acontece com todo mundo.
Você vê relação da aposentadoria com o fato de você publicar textos críticos?
Sinceramente, não sei. Não consigo ter uma resposta clara porque não sei o quanto influenciou, se influenciou; não sei quantos policiais são aposentados da polícia por depressão. Acredito que os médicos que trabalham na junta médica fazem um trabalho sério e que eles entenderam que eu não tinha mais condição de estar na rua. Mas isso aconteceu tudo ao mesmo tempo: os textos saíram, no ano seguinte eu sou aposentado; no outro ano recebo um procedimento de exclusão.
Ocorreu um processo dentro da polícia por conta desse texto?
Escrevi o texto e na mesma semana a corregedoria da polícia me chamou para ser ouvido. Eu não sabia nem sobre o que era, cheguei lá e eles também não sabiam. Desconfio que alguém tenha mandado eles fazerem isso como forma de represália, mas eles também não souberam como lidar com isso. Depois abriram sindicância para avaliar os meus textos e também nessa época me transferiram – uma transferência muito atípica. 
Isso não acontece na polícia, de você acordar um dia e falarem que você está sendo transferido para outro lugar, sem ninguém te avisar nada. Ficou muito nítido que era uma perseguição, uma forma de represália. Eu fui até a diretoria da polícia dizer que era uma forma de represália, enquanto isso estava rolando o prazo da minha transferência, e aí eles argumentaram que eu não me transferi em tempo hábil e depois me condenaram à prisão no ano de 2019.
Você chegou a ficar preso?
Sim, fiquei preso lá em Matinhos [cidade do Paraná]. Peguei um dia.
As razões do voto contra Bolsonaro permanecem?
O Bolsonaro para mim continua sendo a mesma pessoa. Ele não faz nada além de fazer polêmica. A ideia é manter o povo sempre no ódio, nessa não reflexão sobre a realidade, enquanto algumas pessoas estão pagando um preço muito caro por isso.
Em relação aos processos, o que se pode dizer dos encaminhamentos?
Esse da corregedoria foi bem estranho. Eles me chamaram, houve intimação, mas não houve nenhum processo, nenhum procedimento, nada. Me chamaram porque eu tinha escrito o texto e não aconteceu mais nada. E aí abriu-se uma sindicância depois.
A sindicância foi concluída, mas eles não me avisaram da conclusão. Eu fiquei sabendo agora que a conclusão é que haja um conselho de disciplina que pode levar à minha exclusão.
Então a sindicância que foi aberta depois da publicação do texto resultou nesse processo que saiu agora?
Isso, essa sindicância está anexada nesse processo e é o seu motivo gerador.
Quais são e o que falam os regimentos internos da polícia que versam sobre a liberdade de opinião dos policiais? E qual a crítica que vocês [Policiais Antifascismo] fazem a isso?
Nós somos regidos pelo regulamento disciplinar do Exército, pelo código de ética da PM e outros códigos. O problema principal é a questão do militarismo, porque o regulamento disciplinar do Exército é muito amplo, e é para uma função totalmente diferente.

A crítica do militar é reduzida porque, geralmente quando o Exército é chamado para uma ação, ela envolve a segurança do país, envolve soberania nacional, outro patamar de questões, mas a Polícia Militar não cumpre essa função. Nossa função é muito mais social. Esses regulamentos criam uma situação muito estranha em que o policial não pode criticar a sua corporação. Torna-se corporativista.

Qual é a estratégia de sua defesa?
É tudo muito recente. Eu recebi a ajuda de muitas pessoas, e só tenho a agradecer a elas. A gente tá tentando definir uma estratégia.
Esse tipo de processo tem sido recorrente contra outros policiais que se posicionam como você
Desse nível de gravidade, eu não conheço nenhum. Mas dentro do Policiais Antifascismo e fora dele tenho visto policiais, principalmente nessa questão de opinião, quando é de um setor mais progressista, que estão respondendo a processos administrativos, respondendo a outros tipos de processo por dar a sua opinião. O que tem de inédito no meu é que eles foram pro nível mais grave. Eu estou sendo equiparado aos policiais que cometem as coisas mais terríveis dentro da polícia.